Queridos amigos,
Estamos em plena quaresma… Tempo privilegiado de conversão e de
crescimento na intimidade com Jesus. A quaresma nos chama a aprofundar o
nosso conhecimento do amor de Jesus por cada pessoa. Ao começar a
escrever esta “Partilhas” a frase que fica martelando em meu coração é
“Eu sou o Terceiro”. Sim, a Catarina falava muito deste chamado de
ordenar a nossa vida de forma que Deus esteja em primeiro lugar, o
próximo em segundo e eu em terceiro. Os que leram a biografia da
Catarina feita pelo Pe. Héber Salvador de Lima conhecem já esta frase da
Catarina... “Eu sou o terceiro”...
Recentemente
a Andorra, mais conhecida como Dora no Brasil, foi passar uns dias na
comunidade Shalom em Toronto. Anexamos a foto dela para aqueles que a
conheceram quando ela morou na nossa casa em Natal. Pois a Andorra foi
convidada a falar sobre esta frase “Eu sou o terceiro” para
Shalom-Toronto. E um dos textos que ela utilisou foi uma conferencia
que a Catarina deu para a comunidade de Madonna House em Julho de 1965.
Assim partilhamos com vocês este texto da Catarina como meditação para a
quaresma.
Partilhando estórias da Catarina
Jesus escreveu para nós uma carta de amor com a Sua Paixão. E Ele a
assinou com o Seu sangue. Nós associamos a palavra paixão com casamento,
com sexo e com um monte de coisas. Mas paixão significa imensidão,
Deus, que é imenso acima de nossas medidas, nos amou com toda a paixão
possível para o coração humano de Deus. E Ele morreu, porque Ele amou o
coração do homem. Quando é que nós começaremos a entender que nossa fé e
nossa religião não é um conjunto de dogmas ou uma moral, mas ela é um
tremendo caso de amor entre Deus e o homem – pois Deus nos amou
primeiro. E tudo que Deus pede de nós é simplesmente amá-Lo em retorno.
Nós temos que amá-Lo através do nosso próximo. Pois Deus nos disse: “Não
é aquele que diz ‘Senhor, Senhor, Senhor, eu te amo, eu te amo, eu te
amo, eu te amo’ que vai para o céu; mas é aquele que faz a vontade do
Pai e obedece os Seus mandamentos”.
E quais são os mandamentos ? Ame Deus e o próximo como a si mesmo. Então
nós temos que amá-Lo no outro. Mas como é que nós O amamos? Ele
enfatiza isto na última ceia. Ele diz: “Dou-vos um novo mandamento;
amem-se uns aos outros como Eu vos tenho amado!” Então nós temos que
amar nosso próximo com um grande coração. E agora, a questão do amor é
clara e nossa religião se torna simples – mas complicamos tudo... Nosso
medo, nossas emoções, nosso pecado e nossas escolhas deliberadas de
escapar deste amor nos fazem encontrar mil e uma razões e idéias e nos
faz mesmo escrever milhões de livros que ninguém irá ler nos próximos 50
anos. Tudo é tão simples. Deus é simples, mas o homem é complexo. Por
que nós não encaramos de frente este mandamento? Por que nós preferimos
falar de sexo de uma forma complicada; por que falar de alcoolismo de
uma forma complicada? Ou da Missa aos Domingos, ou da carne na
Sexta-Feira? Tudo isto é muito bom e apropriado e devemos abordar tudo
isto, mas tudo é secundário diante do amor. Pois para amar o outro com o
Coração de Jesus, nós devemos morrer a nós mesmos. Nós devemos pegar o
pronome “Eu” e colocá-lo completamente de lado. Estou falando do
egoísmo... Nós devemos viver o lema “eu sou o terceiro”... Deus é o primeiro, meu próximo é o segundo e eu sou o terceiro.
O que eu quero não é importante. O que Deus quer é importante. E o que
Deus quer? O Sacramento do Momento. Se você estiver na escola, então
você deve estudar , obedecer aos seus pais, ser útil em casa, respeitar e
considerar a sua mãe, os seus irmãos e os seus amigos e colegas. Nunca
ficar dizendo”eu quero, eu quero, eu quero... Eu não quero isto, eu não
quero aquilo...” Você não será Cristão se você ficar agindo assim. Se
você for um adulto é a mesma coisa. Tudo é tão simples. Eu nem preciso
perder tempo escrevendo sobre isto.
Viver para o outro é ser crucificado do outro lado da cruz. De um lado
está Jesus e do outro lado esta você. É este o lugar reservado para os
amigos de Deus. Pois, vamos olhar isto de frente... Nós não queremos
fazer o que devemos fazer, como diz São Paulo. E nós fazemos o que não
queremos fazer. Esta é a nossa fraqueza. Nós temos que lutar contra ela –
desde o momento em que começamos a ter a idade da razão até o momento
da morte – nós temos que fazer violência a nós mesmos. Pois o céu é
conquistado pela violência como diz a escritura. Mas violência contra o
que e contra quem? Contra mim mesmo, contra o “Eu” egoísta, mesclado com
o pecado original, fascinado com as emoções que se tornaram
desordenadas com o pecado original. E aí vamos nós de uma maneira
egoísta, egocêntrica, indo pelo mundo afora repetindo que eu não gosto
disto, não gosto daquilo e não gosto daquilo outro e não gosto daquele e
daquela também... Gostar é uma emoção e não tem nada do amor. O amor
vem da vontade. Você não tem que gostar daqueles que você tem que amar.
Gostar não tem importância na vida espiritual. Mas amor é muito
importante. A nossa religião é uma questão de amor. E é uma estória
alegre de amor.
Quando finalmente você tiver a coragem de encarar a relação entre você e
Deus, então todas as coisas entrarão no seu lugar como um
quebra-cabeça. Então você entenderá São Francisco que disse “... não ser
amado, mas amar... não ser consolado, mas consolar...” Se você assim
viver, você será a pessoa mais amada do mundo... Sem que você saiba
como, o amor virá até você em ondas ininterruptas. Pois você compreende,
é a face do Cristo que você vai mostrar para o mundo, a face nua do
Cristo. A cada dia, a cada momento, nós devemos desaparecer o máximo no
que é humanamente possível. Nossa consolação será que cada momento em
que nós estaremos presentes a Deus, será também o momento de recomeçar
de novo. Então nós caímos há 5 minutos atrás, vamos levantar e continuar
a partir de onde estávamos e tudo recomeça de novo. Então neste combate
tremendo, neste despojamento do nosso “EU”, nós finalmnete começaremos a
mostrar a face do Cristo para o mundo. O que isto significa? Nós
devemos gestar o Cristo, como Nossa Senhora o fez. Nós devemos passar
por um tempo de gestação, um tempo de dar a luz e de crescimento da
criança em nós. Mas com a maioria de nós o que acontece é que nós
recebemos o Cristo, mas Ele permanece como um anão em nós por causa de
nosso egoísmo e pobreza. Nós não permitimos que Ele cresça completamente
na sua estatura plena para que Ele possa falar através de nós, que Ele
possa andar com nossos pés, usar nossas mãos, nossos olhos, nossas
bocas. Esta é a essência da fé. Esta é a proclamção da Boa Nova – do
Paquistão até a África, do norte da África até a China, através da
Europa... E se há alguém que vive no espaço sideral nós devemos ir lá
para pregar a boa nova. Mas falar não vai adiantar muita coisa...
Especialmente neste século... O demônio faz muito barulho na televisão,
no rádio e nos jornais... Não... A única coisa que o mundo vai acreditar
é nas nossas vidas. Então nós devemos pregar o Evangelho com nossas
vidas e não com nosas bocas somente. Sim, nós devemos continuar a
ensinar o catecismo, mas mesmo com as criancinhas... Não vai fazer muita
diferença se nós falarmos sem viver o que falamos. Pois uma juventude
com olhos puros e integridade no coração não vai aceitar o nosso
ensinamento se nós não o vivermos.
Então seja lá onde estivermos, seja lá quem formos, não importa o lugar
onde Deus nos colocou... Viver o Evangelho é amar o próximo, é amar Deus
através do próximo. É tão simples. Por que nós complicamos tanto as
coisas?
Mas não se engane, “kenosis” (palavra grega) significa se esvaziar de si
mesmo. É doloroso, a pessoa é crucificada. Nós temos que nos
crucificar. Não vai haver um soldado romano para fazê-lo... É preciso
coragem para se crucificar. Aonde você vai encontrar esta coragem? Na
Missa; através da oração. Você vai encontrar esta coragem em Deus. É
somente em Deus ... A Missa pode te conectar com um mar de fogo, pois o
amor está inflamado na Missa; um mar de amor pode te invadir e você se
tornará um fogo. Mas a Missa é mais do que isto. Ela é certamente um
sacramento e um sacrifício. Mas ela é também uma ceia, um banquete do
qual o Amor nos convida a participar e partilhar Ele mesmo. Como Ele nos
ama! Ele subiu ao céu (ascensão), Ele retornou ao Pai. Mas Ele ficou
conosco – isto é possível pois Ele é Deus. Nós achamos que alimentar
6.000 pessoas com dois pães e cinco peixes é um grande milagre. Quantos
milhões de hóstias são consumidas todo dia no mundo inteiro? Ele se
multiplica em abundância se tornando nada menos que nossa comida – Ele
providencia pão e vinho. Mas nós devemos ver mais ao longe... Pois
quando o cuspe de Sua graça e Suas mãos tocam nossos olhos, então
nossos olhos podem ver mais. Nós não podemos mais ser cegos.
Sim, a Missa... Nós rezamos a Missa, se nós dela participarmos, se nós
compreendermos o que se passa na Missa... então nós teremos coragem de
começar afinal a morrer a nós mesmos, a fazer a violência a nós mesmos, a
amar o nosso próximo com o coração de Cristo. Nós podemos implorar a
Ele neste momento de união; ”dê-me o Seu coração para que eu possa amar
os outros como você deseja que eu o faça e assim você poderá amar
através de mim.“ Mas nós somos muito fracos, muito, muito fracos. Nós
precisamos de mais oração. Então nós devemos meditar.
Nós absorvemos o conceito de que a meditação é para religiosas, padres e
santos – como se nós não fôssemos santos, como se nós não fôssemos um
povo sacerdotal e não fôssemos também um povo da linhagem de reis. Mas
porque somos fracos, nós precisamos da contemplação. Você não precisa
ser trapista para entrar em contemplação. Meditar e contemplar deveria
ser algo natural, absolutamente natural para um Cristão. A vida
espiritual não é nada de extraordinário quando nós sabemos que a
religião é uma estória de amor e não somente um conjunto de dogmas ou
uma moral. Santo Agostinho disse; “Ame Deus, e faça o que quiseres.”
Pois se eu amar Deus, eu vou fazer o que Deus quiser. Eu vou querer o
que Deus quer e não vou desejar nada mais. Tudo tão simples.
Contemplação? Sim, nós podemos ir até uma igreja, sentar em um banco e
olhar o Santíssimo Sacramento, pois Ele está nos esperando lá e Ele
sempre vela por nós. Mas alguns de nós podemos estar super ocupados e,
nós não podemos ir até a igreja. Não importa... Quando você ama, a face
do amado está sempre diante de você... Mesmo quando você estiver
dirigindo, ou no trabalho, ou fazendo outra coisa. Apaixone-se por Deus e
o silêncio mútuo entre você e Deus vai estar lá com você 24 horas por
dia – pois mesmo quando estou dormindo, Ele vela sobre mim. Tão simples.
Uma nova coragem vai vir para que me despoje, para que eu permita que
Ele cresça à Sua plena estatura, para que Ele possa amar o próximo
através de mim. Então um dia eu poderei dizer “eu não vivo; é Cristo
quem vive em mim”. Tão simples, e a gente complica tanto. As pessoas
dizem:”eu quero Deus, eu quero tocar Deus”. Quando eu te toco, eu toco
Deus.
Simples!!!
3 comentários:
Belíssimo escrito. Essas partilhas sempre me trazem uma paz imensa. O contato que tive com Madonna House foi apenas na Missa de encerramento da Missão em Natal, porém, cada vez que alguém partilha sobre a comunidade sinto como se eu tivesse ido lá várias vezes e vivido cada momento, acredito que não só eu mais várias pessoas sentes o mesmo.
Que tenhamos todos uma Santa e Abençoada quaresma.
Sem demagogias, mas não conseguir conter as lágrimas... "É tudo tão simples"
Ontem a noite, pela graça do Divino Amigo lemos este texo, que na simplicidade dessa mulher, nos tocou de uma forma linda! Eu sou o terçeiro. FELIZ terçeiro.
Nossa Senhora nos conserve um coração pequeno e sedento de amor por Jesus e pela Igreja!
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