segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Uma fé que progride

No excelente livreto "Maria e a fé" de Jean Galot - Ed. Quadrante, um capítulo me chamou mais atenção que os demais. Por isso, faço questão que vocês também deleitem-se desse ensinamento tão bonito a respeito da Santíssima Virgem Maria. Vale ressaltar que nesse Ano da Fé, Nossa Senhora é o grande modelo de fé para todos nós:

"Podíamos ser levados a pensar que essa fé, pela sua perfeição, não conheceu progresso. Na Anunciação, o anjo saudara-a com estas palavras: 'Ave, cheia de graça'. Que poderia Ela ainda adquirir? Não tinha apenas de manter essa fé e viver dela?

Conceber a fé da Virgem como uma realidade já plenamente atingida seria desconhecer que houve nessa alma um desenvolvimento progressivo: seria mumificá-la. Se Maria foi perfeita desde o primeiro instante em que foi concebida, esse privilégio inaudito não só não excluiu como exigiu e provocou que a sua santidade inicial se intensificasse e crescesse. Deus não lhe havia dado esse talento para que o enterrasse, mas para que o fizesse frutificar. Esse progresso não implicava uma imperfeição anterior, mas sim que a Virgem estava chamada a passar de uma perfeição para outra mais integralmente realizada. Nada mais cabia no vaso inicial da sua alma, mas o próprio vaso aumentaria de dimensões e passaria a conter sucessivamente novas plenitudes.

Esta condição de progresso constante aproxima a fé de Maria da nossa. Se tivéssemos de atribuir à Virgem uma fé acabada no momento da Anunciação, deveríamos reconhecer-lhe uma fé diferente da dos cristãos. O Senhor tê-la-ia eximido do lento trabalho de aprofundamento a que está sujeita a fé na vida dos homens. Ora, Ele quis para Maria uma vida propriamente humana, com uma experiência verdadeiramente humana. Não lhe formou o coração por meios artificiais, e, se lhe inspirou uma fé sempre perfeita, quis sujeitá-la à condição ordinária de um aprofundamento progressivo que se enraizasse nas camadas mais íntimas da sua pessoa. O arcanjo Gabriel, ao mesmo tempo que lhe pedia um assentimento imediato, abria-lhe um horizonte tão inaudito que só poderia ser plenamente assimilado pela Virgem depois de longos esforços de reflexão.

Como se efetuou n'Ela esse aprofundamento? À medida que o seu coração maternal penetrava mais a fundo na intimidade do seu Filho, pelo relacionamento entre mãe e filho, a sua fé foi-se tornando mais luminosa. No momento da Anunciação, Maria havia aderido à mensagem angélica de um modo por assim dizer abstrato. Daí em diante, conservando viva essa mensagem no seu coração, procurava descobrir toda a sua verdade na pessoa concreta de Jesus. Contemplando incessantemente o seu filho, evocava o que lhe fora predito sobre a natureza e a sorte desse filho, e esforçava-se por lê-las na fisionomia e nos gestos da criança que tinha diante dos seus olhos.

Contrariamente ao que se poderia pensar, esse esforço não era coisa fácil. À primeira vista, parece que a presença constante do Filho de Deus no lar de Nazaré tornava espontâneo o ato de fé: como viver na intimidade de Cristo sem crer n'Ele? Poder-se-ia mesmo invejar esse intimidade excepcional como um convite permanente a crer sem esforço. Ora, não era nada disso. Como descobrir nesse menino tão normal e pacífico - tão semelhante aos outros, e que só diferia deles por não se notar nele a malícia do pecado -, como descobrir nele o destino de Salvador do mundo que lhe estava reservado? [...]

É verdade que o olhar maternal da Virgem devia descobrir nesse filho traços que confirmavam as palavras da Anunciação, e que os estranhos não perceberiam. Na nobreza de alma de Jesus, na limpidez da sua vida, na excelência das suas virtudes, na perfeita execução dos seus trabalhos na oficina de José, Maria devia notar uma invulgar sublimidade de sentimentos e atuações sob o manto de uma extrema simplicidade. Para essa acuidade, devia contribuir não só a sua pureza sem mancha, aliada ao carinho maternal, mas sobretudo a mensagem do anjo. Essa revelação divina permanecia viva na sua alma, e o seu olhar maternal sobre Jesus, iluminado pelo seu ato de fé, não cessava de fazê-la projetar a todo o momento sobre a fisionomia e gestos do seu filho o quadro traçado pelo anjo. Maria aprofundava no seu grau de fé pela experiência diária. [...]

No seu desenvolvimento progressivo, a fé de Maria não pôde deixar de descobrir cada vez mais em Jesus o Filho de Deus. Chegados a este ponto, devemos precaver-nos contra uma noção simplista que atribuiria a essa fé, desde o momento da Anunciação, uma visão perfeitamente clara e distinta de tudo o que estava implicado no quadro traçado pelo anjo, com aquela precisão doutrinal que a Igreja viria a adquirir com o tempo. [...]

Obs: Esse trecho me comove profundamente:

De olhos constantemente postos no filho, interrogava-lhe o semblante, como fazem as outras mães, procurando nos seus filhos semelhanças de família. Reconhecia nele a semelhança consigo própria, mas isso não bastava para explicar tudo. Havia no seu modo de ser e de comportar-se traços que permaneciam um enigma: aí começava verdadeiramente o mistério. Não seriam esses traços a marca divina? As mães regozijam-se ao encontrar nos seus filhos traços da fisionomia paterna. Recordando-se então do título do Filho de Deus dado pelo anjo, Maria decerto ia discernindo nesse filhos os traços do Pai celeste. Que descoberta comovedora para Aquela que nunca cessara de elevar os seus olhos ao Senhor! Aquele Deus de quem era tão íntima, a Virgem, surpresa, arrebatada, via-o refletir-se no seu filho. Invisível até então, Yavé tornava-se visível no olhar e nos gestos de Jesus.

Foi principalmente enquanto ensinava a Jesus as palavras e as fórmulas das orações tradicionais dos judeus que Maria pôde notar o reflexo do Pai celeste. Essas orações balbuciadas pela criança deviam transfigurar-lhe o rosto e enchê-lo de uma afeição filial que ultrapassaria as fórmulas. Maria apercebia-se certamente de que a relação de Jesus com o Pai celeste excedia imensamente o que a sua educação maternal lhe podia dar".

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