terça-feira, 7 de novembro de 2017

Pais e mães: heróis



Nossos passeios são sempre recheados de conversas e brincadeiras. No carro, sempre iniciamos nossas viagens com orações e em seguida, entre um cochilo e outro das crianças, a conversa rola solta, geralmente ao som de inúmeras canções. Nesse último final de semana, retornando de Recife, escutávamos a canção “Pra sempre meu herói” de Ziza Fernandes (https://www.youtube.com/watch?v=7y_CLAAFeYU) e ao término desta, Pedro José disse uma frase que me fez refletir sobremaneira: “Papai, o senhor e mamãe são os meus heróis.” Ficamos honrados com aquela menção e olhamos um para o outro (eu e minha esposa) trocando um leve sorriso até que o pequeno continuou: “São heróis porque o senhor e mamãe me levantam quando eu caio, não é?”.

Puxa vida! O garoto com apenas 4 anos entendeu o significado de heroísmo... Apesar dele gostar muito do Homem de Ferro, do Capitão América, do Hulk, do Batman e dos Power Rangers, a figura de herói por ele entendida vai muito além daqueles que destroem os monstros e passam repetidamente na telinha. É bem verdade que os pais nem sempre conseguem parecer tão dispostos ou tão “perfeitos” quanto os inúmeros super heróis que nunca morrem nem envelhecem... Não! O tipo de heroísmo dos pais é deveras distinto e peculiar, pois brota do Coração de Deus que nos ensina a sermos pais e mães (Ef 6,1-4). Esse heroísmo exige de cada um de nós desprendimentos, renúncias, confiança em Deus, entrega, paciência, esforço, muito esforço.

 


Sabe aquele livro que você gostaria muito de comprar? Isso mesmo, você não compra para poder presentear seu filho com aquele brinquedo que ele tanto deseja. E aquela roupa do final do ano que passei o ano observando? Não, o dinheiro não dá para as roupas de todos, as deles são prioridades. Esses são exemplos corriqueiros dentre tantos. No mais, quanta apreensão quando eles se submetem a uma prova como a do Enem? Parece que ficamos mais nervosos do que eles! E às vezes que assisto aquele desenho animado meio sem graça no lugar do jogo do meu time, apenas para ficar perto deles? E quando bate o sono, daqueles que quase não seguramos, mas precisamos ficar atentos para o horário do remédio que se aproxima? Isso mesmo queridos pais, somos uma espécie de heróis, de carne e osso... 

Quando eles caem, devemos ser nós os primeiros a ajudá-los; a estendermos as mãos; a acalentar com um abraço, que às vezes mudo, fala mais do que mil palavras. Esse cuidado desde cedo nos orienta para aquilo que a vida ainda nos apresentará, isto é, a fase da adolescência, da juventude, da vida adulta, da velhice dos filhos... Quem dera termos essa graça de sermos perseverantes no caminho do Senhor junto dos nossos filhos. A educação deles parte do pressuposto de que somos educados na mesma escola de santidade – a Igreja. Por isso, “educa o teu filho, esforça-te por instruí-lo, para que te não desonre com sua vida vergonhosa” (Eclo 30,13). Dito isto, fica claro porque o Senhor colocou como dever dos filhos um dos 10 mandamentos: “Honra teu pai e tua mãe, para que teus dias se prolonguem sobre a terra que te dá o Senhor, teu Deus.” (Ex 20,12).
Sempre que vejo ou leio na minha timeline ou em outros lugares, jovens (não tão jovens assim) com seus 25, 30, 35 anos, com comportamentos de adolescentes, fico a pensar: Se fossem pais, se tivessem a coragem de constituir uma família ao invés de viver imerso exclusivamente num mundo virtual e na maioria das vezes irreal, veriam como as responsabilidades de uma casa, as contas a pagar, os filhos para limpar, ou qualquer outra ação típica de um pai e de uma mãe, seriam salutares para sua formação, para sua vida.



Para terminar, sugiro aos pais que louvem a Deus pelos seus filhos; que os filhos exaltem o Senhor pelos seus pais... Aproveite o final desse texto e o link dessa canção de Ziza logo ali acima e permita-se pensar nos seus heróis nessa terra... Tenho certeza que um sentimento belo surgirá no seu coração... Um dia você também caiu quando criança, e alguém veio lhe levantar...


Em tempo: acabo de escrever esse texto ao som dessa canção e quando Pedro José a ouviu, veio correndo ao meu encontro com os braços abertos e disse novamente: "O senhor é meu herói!" Presente melhor não há!

Abraço fraterno,



De um indigno escravo da Cruz e da Virgem Maria

domingo, 11 de junho de 2017

O amor conjugal e suas manifestações

Nesse final de semana tivemos a imensa alegria e por que não dizer, a grande graça de partilhar com amigos e irmãos sobre o amor de Deus que se derrama abundantemente naqueles que humildemente pedem que o Senhor Todo Poderoso, que está assentado em seu trono (Dn 3, 52-56), venha caminhar com seus filhos, cujas vidas são propriedade Dele (Ex 34,9).

No mistério do matrimônio que nos torna um, fomos imersos no mistério da Santíssima Trindade, verdadeira e plena comunhão de amor. Eu e Adélisan partilhávamos sobre o amor que nos une e como tem sido uma aventura belíssima manifestar esse amor um ao outro, especialmente nas coisas mais simples do cotidiano.

Nossos corações transbordavam de alegria em rever tantos casais que são parte de nossa história... Poder compartilhar com eles dessa certeza que nos une - o amor a Deus e o desejo constante de fazer Sua divina vontade - é sempre uma dádiva. Enxergar histórias que foram renovadas pelo Espírito Santo, pela intercessão de Nossa Senhora, por meio do perdão... Bendito seja Deus por tudo!

Ontem a noite enquanto falávamos, mais uma vez nos sentíamos em casa. A Comunidade Católica de Famílias Aliança com Cristo é um daqueles lugares que nos sentimos um com o outro, pois os olhares estão fitos numa só direção: Jesus Cristo. Não é a toa que afirmamos constantemente que "o nosso sim permite Deus mudar a nossa vida", pois acreditamos piamente nas famílias, até mesmo quando nem elas mesmas acreditam. Sem nenhum mérito nosso, mas pela força do Espírito Santo, que nos leva a viver e testemunhar a radicalidade do Evangelho, sendo instrumento de Deus para a restauração e santificação das famílias, isto é, em nosso nada, Deus faz tudo que quer e deseja, como rezávamos cedo neste domingo junto com Marcianita Nobrega e Assis.
 
Na véspera do dia dos namorados, pudemos participar do Retiro de Reavivamento da Comunidade. É Deus mais uma vez dizendo a todos nós que Ele renova todas as coisas o tempo todo (Ap 21,5). E qual deve ser a nossa resposta que não a de Josué? Queridos casais, gritemos para o mundo com as NOSSAS VIDAS que "eu e a minha casa serviremos o Senhor" (Js 24,15). Isso implica cuidar do cônjuge/metade assim como nos exorta São Paulo na sua carta aos Efésios (Ef 5,21-33) e no belíssimo "hino ao amor" (I Cor 13,1-7). É pedir a graça ao Espírito para que nunca deixemos apagar a chama do amor entre nós.

São momentos como esse que entendemos ainda mais que as nossas vidas enquanto cristãos precisa ser testemunhada com muita seriedade. Viver a santidade no matrimônio não é apenas uma súplica que deve existir em nossos lábios, mas um grave dever que nos envolve. Nesse sentido, afirmo com muita convicção que o desejo outrora germinado nos corações dos fundadores Neide (Francineide Andouglas) e Andouglas que logo em seguida foi acolhido por tantos outros irmãos, se torna aos poucos uma verdadeira primavera para a Igreja, a começar das transformações ocorridas nas "igrejas domésticas".

Bendito seja Deus pelo sim de cada um, por escutarem e aceitarem o chamado na voz do Bom Pastor. Bendito seja Deus por tantas famílias que hoje conhecem a graça do perdão, da misericórdia, do zelo e cuidado um com o outro, de viver o dia dos namorados como casal enamorado em Deus.

Tenho que dizer que vocês me ajudaram a ficar mais apaixonado por minha esposa, pois a cada palavra pronunciada ou abraço dado, vou acreditando ainda mais que estamos no caminho certo. Aproveito e agradeço o carinho de todos para conosco.

Por fim, expresso minha gratidão a Deus por permitir que esse casal que tanto amamos - Neide e Andouglas - seja realmente usado por Ele. Meus amigos, sigam em frente e contem conosco para o que der e vier. Lembrem-se que estão sempre em nossas orações. Essa comunidade de famílias tem "cadeira cativa" debaixo da imagem de São José, lugar em ponho um bilhetinhos de pedidos de oração (rsrsrsrs). Vocês não são apenas parte da nossa história, mas uma realidade linda e fecunda na vida de muitas famílias, da nossa querida terra da scheelita, da nossa diocese, da nossa Igreja. Rumo ao céu, pois lá é o nosso verdadeiro lugar (Fl 3,20).

Que a Sagrada Família de Nazaré - Jesus, Maria e José - os abençoe hoje e sempre. Nós os amamos muito. Obrigado por tudo! Um cheiro no coração.

Danilo e família.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Nossa meta: fazer o outro feliz!

Sempre gostei de rede. Desde cedo fui colocado por minha mãe para aquele cochilo quando muito pequeno, ainda com fralda de pano, naquela rede que balançava ora veloz, ora parcimoniosa como os momentos de descanso dentro daquele pano amarrado por cordões, que por sua vez, ficam seguros em dois armadores, que dependendo da ausência de um pouco de óleo ou algo parecido, emite aquele som estridente que causa agonia em muitos.

Na casa de minha mãe a rede sempre estava armada, fosse na sala, nos quartos ou na área de serviço. Em determinados momentos, eu assistia o jogo do Flamengo, o jornal ou apenas deitava após o almoço para um rápido descanso, sem contar as inúmeras vezes que, chegando da universidade, me deitava para relaxar um pouco e adormecia por lá mesmo, acordando apenas no outro dia. Enfim, sempre gostei de rede.

Uns dois anos antes de casarmos, compramos um terreno e neste, uma casa "pela metade", ou seja, apenas no tijolo e faltando praticamente tudo. Eu sempre digo que começamos a construção "quase do zero", mas quando ali entrei pela primeira vez, imaginei imediatamente uma rede armada naquela sala grande, especialmente por causa do vento que passaria através do pergolado (no início ainda era um banheiro) e refrescaria a quentura sentida diariamente por nós sertanejos, seridoenses.

Começamos o serviço da casa que teve vários "tempos", não apenas dois como no jogo de futebol que estamos acostumados aqui no Brasil, mas quase 4 tempos como no futebol dos americanos. Era um dinheirinho sobrando e a casa tomando rumo do nosso futuro lar... Durou quase três anos essa peleja. Mas na época do reboco, já na fase de acabamento, comprei os armadores para distribuí-los em tudo que é lugar na casa. Na minha mente, só não incluiria a dispensa, a cozinha, o pergolado, o muro (risos) e os banheiros. Todavia, para minha surpresa, eu e minha noiva fomos demarcar os lugares desses armadores imaginando a disposição dos móveis, pois sempre combinamos tudo. E... E... E... Fico até sem palavras para a minha frustração naquela época!

Minha amada noiva, hoje amadíssima esposa, veio com um papo de que armadores na sala não combinam. Que decepção! Onde eu iria tirar o cochilo ao meio dia? E aquele ventinho do pergolado? Puxa vida, tinha que implicar logo com os armadores da minha rede? Meu Deus do céu!!! Vale destacar que foi justamente naquele tempo que comecei a exercitar ainda mais as palavrinhas diálogo, renúncia, família, fazer o outro feliz, etc.

Tentei convencê-la, mas não teve jeito. Entendi que fazê-la feliz era o mais importante. Além do mais, eu tinha escolhido as cores da casa. Isso mesmo, no início era multicor. Casa típica daquele povo que gosta das cores porque parecem evidenciar algo novo. E ainda coloquei uma espécie de brilho sobre a tinta que deixou as paredes com aparência de pão doce saído do forno (hahahaha). Como é bom a vida em família... Como é bom reviver esses momentos!

Tive que me contentar com a rede nos quartos, na área de serviço, na garagem, mas... o sonho da sala grudou em mim como nódoa de caju em roupa branca. Não era pra menos, pois o nosso quarto sempre foi muito quente e eu nunca conseguia estirar as pernas na rede como de costume (sou daqueles que se deitam "enviesados"). Assim se passaram 12 anos e 4 meses.

AGORA UMA BREVE PAUSA NA REDE E VAMOS A PINTURA DA CASA... VOLTAMOS EM BREVE!
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Nas férias de 2017 resolvi fazer alguns pequenos serviços na nossa casa no Rancho São José. Eu e meu sogro tivemos que consertar algumas paredes por causa da caliça e aproveitamos a oportunidade e pintamos a parte externa da casa. Esta tinha sido pintada a quase 6 anos. Azul bem clarinho, quase branco, cor que lembrava o manto de Nossa Senhora.

"Vamos pintar que cor minha filha?", perguntei a minha esposa. "Dessa vez eu preferiria um marrom bem clarinho", respondeu. Fui na cidade e comprei cal e um tubo de pigmento marrom, mas aquela junção não iria dá certo. Aquele pigmento é próprio para tintas a base d´agua, não necessariamente a cal. Voltei a cidade. Dessa vez para comprar um latão de tinta a base d´agua. Já que seria mais caro, eu decidira comprar o azul bem clarinho. Pesquisei em duas lojas e nada. Das opções disponíveis, tinha uma cor amarronzada, tipo areia, ou melhor, o nome da tinta é areia. Ah, é marrom como Adélisan queria. Comprei e começamos a pintar. Já no início da pintura, vi que os olhos de minha esposa começavam a brilhar vendo as paredes mudarem de cor... Isso para mim era suficiente! 
Todavia, chega a primogênita e pergunta porque não estou pintando com a cor azul claro, já que é a cor que mais gosto, além da questão do manto de Nossa Senhora. Respondi imediatamente que aquela cor era a preferida de sua mãe. Isso foi o bastante para que aquela moleca fosse questionar sua mãe e ao mesmo tempo (tem cabimento um negócio desse?) dizer que aquela cor não combinava com a casa do sítio e tudo mais. Alguém pode estar pensando: De novo essa história de combina ou não combina? O fato é que se combinava ou não, a filha ficou chateada com a mãe porque esta preferia o marrom da areia ao invés do azul do céu do pai. 

Mas como numa família em o céu deve chegar a terra e a família na terra precisa se esforçar para chegar ao céu, chamei aquela garotinha de 11 anos num canto e disse: "Preste atenção no que vou falar. O que importa não é a cor da parede, mas a alegria do novo em nossas vidas. Você pode estar perguntando: Como assim papai? O novo que deve existir na vida de um casal, como eu e sua mãe. O novo de aprender a renunciar suas próprias vontades e gostos para ver a alegria do outro. Minha filha, eu estou apenas tentando fazer sua mãe feliz! Isso para mim, basta! Entendeu?" Foi esse o mini sermão. "Entendi papai", respondeu aquela adolescente mirim ainda com a cara meio emburrada. "No final você vai até achar legal o resultado", finalizei a conversa.

E realmente ficou legal. Opa, não sei se você concorda, mas nós gostamos. E mais: aprendemos mais uma lição sobre a vida em família, não é mesmo?

VOLTEMOS A REDE, OU MELHOR, A HISTÓRIA DA REDE...
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Na semana seguinte ao serviço no Rancho São José, eu e meu sogro fizemos quase o mesmo em nossa casa. Dessa vez, pintamos a casa toda, as portas e tudo mais. Entretanto, num dos dias do serviço, retomei a conversa sobre a rede, os armadores... Já imaginava a resposta da minha querida designer-arquiteta-paisagista-esposa-mãe que é pedagoga de formação. Ela certamente diria: nã... Rede na sala não combina, mas... mas... mas...

PERAÍ!!!

Simplesmente, sem me avisar nem me dá tempo de se preparar psicologicamente, ela disse que dava certo colocar armadores na sala. Puxa vida! Bingo! Gol! Vocês devem estar imaginando o meu sorriso de incredulidade e a alegria que me invadiu naquele dia. Desculpem o exagero, mas escrever sobre essas coisas é complicado. Sempre imagino que não consigo descrever as cenas e os sentimentos como gostaria... Também não é para menos, sou apenas um leitor e admirador de Machado de Assis, apenas isso.

Meu sogro furou as paredes; fui comprar os armadores e então, no final da manhã, eles já estavam "sentados" nas paredes da sala. Agora era segurar a ansiedade para a estreia no dia seguinte ou de acordo com a cautela do pedreiro, apenas 48 horas depois do serviço. Ufa! O que são 48 horas diante de 12 anos e 4 meses? Isso é nada!

Passado esse curto prazo (confesso que em alguns momentos pareceu longo - ehehehe), deitei na rede com um bom livro e sorri... Parecia pinto no lixo! Ela olhou para mim e também sorriu... As crianças sorriram... Meus amigos se divertiram com a história, pois conheciam essa "odisseia". Passados mais de quinze dias de tal façanha, já dormi várias vezes na rede na sala sentindo o ventinho do pergolado. A filha mais nova também já se deitou na outra rede. Isso mesmo! Na sala agora tem espaço para duas redes! D U A S! Lógico que pensei também nela. Coisas típicas de um casal que se ama.
Por fim, o que dizer de tudo isso? Que a vida conjugal é construída de diálogos, de renúncias, de sorrisos e lágrimas, de situações que nos levam a refletir que sempre valerá a pena fazer o outro feliz. Foi para isso que nos casamos e selamos diante de Deus tal compromisso. O valor do matrimônio é tão sublime que nunca conseguiremos entendê-lo em sua plenitude. Assim, podemos não só admirá-lo, mas nos esforçarmos para experimentar as graças que o Senhor derrama nos corações que desejam ser fieis um ao outro e primeiramente a Deus.

E se alguém me perguntar se valeu a pena esperar 12 anos e 4 meses pela rede na sala, direi: Lógico que sim! Minha esposa, como sempre, me surpreendeu e me fez ainda mais feliz... Pois sei que antes de dizer que os armadores na sala combinam ou não, ela me dirá que me ama.

E você? Quantos armadores faltam na sua sala? Está precisando de uma nova pintura na parede da casa? Confie em Deus e na Sua divina Providência! E não se esqueça: aprenda e experimente dialogar, renunciar e fazer o outro feliz.

Danilo e Adélisan (e seus filhos)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A vocação é como uma pipa

Era uma segunda-feira pela manhã. Ainda desfrutávamos dos últimos dias de férias no Rancho São José. Levantei cedo como de costume, e aos poucos as crianças também foram acordando. Uma delas já estava na empolgação de ir brincar na areia, outra surgiu sonolenta na sala, e outra amanhecera bem esperta e já saudosa devido a avó materna que desceria a serra (de Lagoa Nova a Currais Novos) para uma consulta médica. Tomamos café, não todos no mesmo horário por causa dos desencontros acima mencionados, mas logo ao término fui a cidade levar minha mãe para pegar um táxi que a transportasse até Currais Novos. E antes de sair, tive a ideia de chamar Maria Clara, nossa filha de 7 anos (ou quase 8, como ela gosta de dizer) para nos acompanhar. Na verdade, vez por outra procuro arranjar um "programa/atividade" exclusivamente com um dos nossos filhos. Creio que essas oportunidades são importantes entre pais e filhos, especialmente quando percebemos que eles gostariam de conversar algo, ter um momento a sós com o pai ou a mãe ou ambos.

Era uma manhã ensolarada, como quase todas no nosso sertão... Ao atravessar a porteira do Rancho São José, já se via pelo retrovisor a poeira que Sorec deixava para trás (ah... Sorec é o nome do nosso carro!) e de vez em quando surgia um morador daquela região serrana ou alguns últimos cajus da safra que se finda. Em 10 minutinhos já deixávamos minha mãe na parada do táxi e retornamos para casa. Eita que momento bonito! Ali, naquele carro, começara um diálogo entre pai e filha. Ela, que aparentemente é bem tímida, quando se sente a vontade, conversa bastante. Nesse aspecto puxou literalmente ao pai, pois se deixar, já viu!

A conversa foi sobre assuntos diversos, desde a ansiedade para o retorno das aulas até chegar no assunto vocação. Isso mesmo que você leu: V O C A Ç Ã O! Abro parênteses para dizer que aqui em casa temos sempre o hábito de conversar sobre a importância do chamado de Deus para cada um de nós. Aliás, convivemos com diversos amigos e familiares com vocações tão distintas. Temos ao nosso redor casais, religiosos e religiosas, padres, missionários, celibatários, ou seja, pessoas que na sua vocação específica buscam seguir plenamente a vontade do Senhor.

Estávamos no carro, lembram? Trafegando naquela estrada empoeirada, minha filha perguntou simplesmente o que eu achava que ela seria quando se tornasse adulta. Eita pergunta complicada e simples ao mesmo tempo... Então expliquei que eu e sua mãe sempre rezamos pelas vocações dos nossos filhos. E nossa alegria é saber que desde cedo eles já começam a ter o discernimento que fazer a vontade de Deus é a melhor escolha, seja para se tornar um profissional bem-sucedido e que forme uma família, seja para morar em outro país como missionária ajudando os pobres ou quiçá enclausurada numa vida monástica.

Como vocês devem ter percebido que o trajeto de volta era curto, assim como o da ida, chegamos rapidamente em casa. Novamente atravessamos a porteira e a porta azul do Rancho São José, sinal da proteção de Nossa Senhora em nossa casa. Naquele momento, o sol já estava "tinindo", mas ainda não estava no "pingo do meio dia", pois era umas 9 para 9:30. Nossa comadre Leila lá em casa estava com o querido João Pedro "Piu", fora ela que trouxe a novidade das pipas durante esses belos dias. Aproveitamos que nos dias anteriores tínhamos soltado pipa e então fomos novamente se aventurar naquela brincadeira pueril tão benfazeja.

Eu que aprendera no dia anterior a soltar pipa, já não tive tanta dificuldade dessa vez. E lentamente, aquele fino papel colado em pauzinhos que se cruzam, foi subindo com sua cauda não tão grande, a mercê dos ventos daquela região serrana que além do frio, fica aos poucos conhecida pela "riqueza" do vento. E foi justamente naquela manhã, naquele lugar tão precioso para nós, que entreguei a Maria Clara, aquele rolo que continha uma linha de 80 metros, já solta completamente no céu, com exceção do nó que ligava a pipa a um de nós. Nesse momento que entreguei a pipa a Maria Clara, lembrei de nossa conversa sobre vocação e disse: "Filha, a vocação é como uma pipa". E continuei...

A pipa "voa" conforme o vento e ao passo que se solta a linha, ela toma voos ainda mais altos. Assim é na vocação, pois o chamado de Deus quando é feito, está condicionado a uma resposta nossa. Se dizemos sim a esse chamado, Deus nos conduz para onde Ele quer... Além do mais, essa resposta acontece diariamente. E cada sim dado a Deus é uma oportunidade de seguir adiante para onde Ele quer. Por isso devemos ser como essa pipa que voa em direção ao céu. A vocação é justamente o caminho por Deus traçado para que trilhemos até chegarmos ao céu. E quando nos encontramos nessa vocação que Deus nos chamou, podemos repetir como Santa Teresa de Los Andes: "Deus é alegria infinita". Ou então usar as palavras da mesma santa chilena: "Uma alma unida e identificada com Jesus tudo pode". Filha, precisamos deixar que o vento do Espírito Santo inspire em nós o desejo de sempre fazer a vontade de Deus, seja ela em qualquer vocação.
Ela ouvia atentamente e demonstrava entender o que eu estava explicando e continuou segurando a pipa. Lembrei da canção gravada pela Ir. Kelly Patrícia - Passarinho - que é baseada num belíssimo texto de Santa Teresinha do Menino Jesus e que gostamos muito de ouvir. Finalizei aquele diálogo dizendo que não importa se somos pipas enormes ou singelas, se a linha no carretel nos permite ir muito alto ou se somos modestos no vôo, se somos passarinhos frágeis ou mais resistentes, mas o desejo que habita no coração é o essencial. Que possamos repetir como a santa da Infância Espiritual: "Quanto a mim considero-me apenas como um fraco passarinho coberto só de leve penugem, não sou uma águia, dela só tenho os olhos e o coração, pois apesar da minha extrema pequenez ouso fixar o Sol Divino, o Sol do Amor, e meu coração sente em si todas as aspirações da águia..." (Obras Completas, Manuscrito B, O passarinho e a águia divina, p. 216). Por isso Maria Clara, desejemos ir para o céu tão belo... Aspirar as coisas celestes... E então nossas vocações serão reflexos de Deus em nossas vidas.

Dei um beijo em sua testa e fomos fazer outras coisas naquela manhã ensolarada. Simples assim. Eu e minha esposa continuamos rezando pelas vocações dos nossos filhos e sonhando um dia estar no Rancho São José olhando para o céu contemplando a vontade de Deus na vida de nossa família, pois juntos sempre estaremos no Coração do Pai.

Danilo e Maria Clara

Obs: As fotos foram tiradas em dias anteriores do fato ocorrido. Como sempre acontece, algumas situações marcantes da vida ficam guardadas apenas no coração. E espero que esse diálogo seja fecundo também para você que nos lê. Deus o abençoe sempre.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Uma dança em família



Vinde Espírito Santo... Creio em Deus... Pai Nosso... Ave Maria... E assim começou a oração do “Terço” em mais uma noite no Rancho São José...


          Lá estávamos eu, minha amada Adélisan, a primogênita Maria Gabriela, a singela Maria Clara e o “santo cavaleiro” Pedro José, além de tantos amigos e familiares que diariamente estão conosco em nossas orações.
            Foi um dia cansativo, literalmente. Fiquei incumbido de aplicar uma espécie de verniz na madeira do alpendre e Adélisan estava no 2º dia da lavagem de roupas que se acumulara nos últimos dias. As crianças brincaram, dormiram, comeram e também colaboraram com algumas tarefas domésticas no decorrer do dia. Apesar de uma pequena indisposição de uma delas, fato que atribuímos por não ter tomado café no horário devido, o dia foi tranquilo e pudemos mais uma vez louvar a Deus nas pequenas coisas da vida em família. Porém, durante a noite após o jantar, algo “extraordinário” aconteceu!!! Uma coisa extraordinária que ocorre na ordinariedade do cotidiano, como muito bem ensinou São Josemaría Escrivá e Catherine Doherty. Sem mais delongas, vamos ao fato em si.

Por Deus e todos os nossos anjos da guarda e santos de devoção, num instante a cozinha miraculosamente se transformou num belíssimo palco. Tal foi minha admiração com tal peça que ali ocorria bem a minha frente. Aliás, nessa peça, eu também era personagem, e por isso me arvorei em escrever essa estória, pois nessa noite “uma dança em família” fez bailar nossas almas assim como ocorre em tantas famílias e casas pelo mundo afora. Não tenho como não lembrar de uma família em especial que morou em Nazaré, no escondimento daquele vilarejo, e que muito ensinou e continuará ensinando a essência do ser família: “Jesus, Maria e José: nossa família vossa é.”

            A dança em família ocorrera no palco da cozinha do Rancho São José (ver foto). De fato, o palco estava perfeitamente disposto para aquele momento ímpar. Nele se encontrava uma mesa com suas cadeiras, os pratos e talheres do jantar, a louça que se sujara, a pia, a bucha para lavar, o detergente ao lado, algumas panelas, os panos de prato, a dispensa, a cuscuzeira... Pronto! Tudo estava ali, quase tudo em ordem, apenas aguardando o início do baile para que tudo fosse ordenado, ou melhor, posto nos seus devidos lugares.

            Fui o primeiro a levantar da mesa após o jantar e numa breve oração agradeci a Deus pelo alimento que tivemos em nossa mesa. Logo em seguida, me dirigi a pia e comecei a tocar a canção da lavagem dos pratos... Põe detergente na bucha, esfrega, esfrega, lava, lava, enxuga, enxuga... Preciso dizer que o “fundo musical” foi o Terço em família, sendo as 5 dezenas divididas por 5, ao passo que todos contemplamos os mistérios dolorosos de Nosso Senhor. Assim se ouviam Ave Maria... Santa Maria... Daqui um pouco surgia um Glória ao Pai... “Alguém está contando as Ave-Marias?” perguntou alguém. “Eu tô”, respondeu outro alguém. E ali se debulhava o Terço como o sertanejo feliz debulha a espiga do milho do seu roçado.

            Enquanto eu era o motorista da pia de louças, uma das Marias assumiu sua intimidade com o pano de prato. Eita que coisa mais linda de se ver! Ninguém precisou pedir para ajudar e o ato voluntário daquela jovenzinha animou os corações dos pais que já bailavam de alegria por ali estarem. E foi assim que perceberam que a primogênita entrara na dança em família. Na verdade, a mãe ia organizando a mesa retirando as vasilhas utilizadas no jantar e colocando-as na pia. Como sempre, ela ditava o ritmo da dança com seu jeito paciente e disciplinado.

            O caçula, mais conhecido como “Caba véi” ou Pedrão ou Seu Pedro ou até Patrãozinho, sempre quer ser o ajudante do pai nessas empreitadas, no entanto, como o terço já havia iniciado, começou a pedir para segurar um, justamente para agarrar as “bolinhas” das Ave-Marias. Uma das irmãs o ajudou a pegar um terço que estava na estante da sala e serenamente sentou-se numa das cadeiras da mesa para rezar. Aliás, conversou mais do que rezou, mesmo tendo puxado a última dezena ou o quinto mistério doloroso (Crucifixão e Morte de Jesus). “Sou eu agora? Sou eu de novo?” E as perguntas do pequeno se misturavam as Ave-Marias encurtadas, às vezes, pela pressa de acabar logo. Todavia, ele também estava naquela dança. Cada um a seu modo e compasso... Os menores e os maiores... Juntos no mesmo ritmo.

            A xará de Santa Clara, que antes do jantar me pedia para assistir o filme da fundadora das Clarissas, não estava com o pano de prato, mas ajudava a mãe na limpeza da mesa e do chão da cozinha, agarrada numa vassoura maior que ela. Eu sei que vocês sabem como ficam a mesa e o chão quando crianças fazem refeições! Parece que pintos ali comeram... E nessa noite teve cuscuz. Ah, ele se espalhou também pela mesa e pelo chão, além dos pratos e destes para os estômagos famintos.

            Dito isto, fica fácil de imaginar o palco tomado com essa gente. Além deles, tem a pia, a vassoura, o terço, o pano de prato, as vozes, Ave-Maria, Santa Maria, os corações, a música, o amor, a cumplicidade... Percebem que cena maravilhosa? Sério mesmo, percebem? Vale ou não vale a pena emoldurá-la? A peça durou no máximo 25 minutos, mas foi tão intensa e singela que nem sei explicar como gostaria, mas apenas descrever esses pormenores. Foi assim que por um instante me vi observando tudo aquilo e um sentimento de gratidão jorrava de dentro do meu peito com tanta intensidade que eu só conseguia sorrir... e bailar, e dançar, e cantar, e louvar, e bendizer a Deus pela nossa família, pela graça de enxergá-Lo no cotidiano, a começar daqueles que estão mais próximos – minha esposa e filhos. Sei que noites como essas não são exclusivas em nossa casa, mas uma rotina. Não me refiro a uma rotina enfadonha, mas a um aprendizado constante que se torna sempre uma oportunidade de estarmos juntos como família de Deus.

            Toda a louça lavada e devidamente enxugada foi guardada. O pano de prato, já úmido, fora pendurado. A vassoura voltou para trás da porta. O terço, após a Salve Rainha e o sinal da Cruz, retornou para uma galinha de barro que se encontra na estante, servindo de “guarda terços”. A ordem na cozinha foi o sinal que aquela dança se encerrava. As crianças já começavam a perguntar: “O que vamos fazer agora? Vamos jogar o jogo do Mico? Hoje vai ter filme?” A mãe já se preparava para tirar algumas roupas do varal e ensaiava outra dança com as roupas para engomar. E eu fiquei organizando as brincadeiras da noite.

            Jogamos o jogo do Mico. Três partidas! A mãe não aguentou e veio jogar conosco a última delas. Pra variar ficou com o Mico e perdeu o jogo. Coisas de mãe que até na derrota se alegra com a alegria dos filhos... A criançada riu da falta de sorte da mãe. Eu já bocejara inúmeras vezes deitado na rede com o caçula. O sono chegou... A trouxa de roupa para engomar parecia o Pico do Totoró de tão alta. “Deixe essa roupa para amanhã, Maria”, disse eu. Lembrei novamente que o dia foi cansativo e intenso. Fomos dormir.

            Nesse momento, às 23h02min. o silêncio reina aqui no Rancho São José. Escuto apenas o vento lá fora que balança agitadamente as árvores. No quarto defronte ao nosso, ouço o ressonar do caçula que está com o peito cheio e se chego mais perto, ouvirei as irmãs que dormem serenamente. Ao meu lado, está a mulher que amo e que tenho a graça de compartilhar essa “dança em família”. Cansada, dorme pacientemente como sempre. Por fim, fico por aqui e despeço-me desejando-lhe boa noite. Amanhã tem mais... Tem o restante das linhas e dos caibros do telhado do alpendre para pintar, a trouxa de roupa para engomar, o café, almoço e jantar para cuidar, um artigo do doutorado para terminar, as crianças para animar e olhar, e especialmente, o auxílio e a força de Deus, com a intercessão de Nossa Senhora e São José, para nos ajudar. Viva a vida em família!



De um indigno escravo da Cruz e da Virgem Maria