quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Uma dança em família



Vinde Espírito Santo... Creio em Deus... Pai Nosso... Ave Maria... E assim começou a oração do “Terço” em mais uma noite no Rancho São José...


          Lá estávamos eu, minha amada Adélisan, a primogênita Maria Gabriela, a singela Maria Clara e o “santo cavaleiro” Pedro José, além de tantos amigos e familiares que diariamente estão conosco em nossas orações.
            Foi um dia cansativo, literalmente. Fiquei incumbido de aplicar uma espécie de verniz na madeira do alpendre e Adélisan estava no 2º dia da lavagem de roupas que se acumulara nos últimos dias. As crianças brincaram, dormiram, comeram e também colaboraram com algumas tarefas domésticas no decorrer do dia. Apesar de uma pequena indisposição de uma delas, fato que atribuímos por não ter tomado café no horário devido, o dia foi tranquilo e pudemos mais uma vez louvar a Deus nas pequenas coisas da vida em família. Porém, durante a noite após o jantar, algo “extraordinário” aconteceu!!! Uma coisa extraordinária que ocorre na ordinariedade do cotidiano, como muito bem ensinou São Josemaría Escrivá e Catherine Doherty. Sem mais delongas, vamos ao fato em si.

Por Deus e todos os nossos anjos da guarda e santos de devoção, num instante a cozinha miraculosamente se transformou num belíssimo palco. Tal foi minha admiração com tal peça que ali ocorria bem a minha frente. Aliás, nessa peça, eu também era personagem, e por isso me arvorei em escrever essa estória, pois nessa noite “uma dança em família” fez bailar nossas almas assim como ocorre em tantas famílias e casas pelo mundo afora. Não tenho como não lembrar de uma família em especial que morou em Nazaré, no escondimento daquele vilarejo, e que muito ensinou e continuará ensinando a essência do ser família: “Jesus, Maria e José: nossa família vossa é.”

            A dança em família ocorrera no palco da cozinha do Rancho São José (ver foto). De fato, o palco estava perfeitamente disposto para aquele momento ímpar. Nele se encontrava uma mesa com suas cadeiras, os pratos e talheres do jantar, a louça que se sujara, a pia, a bucha para lavar, o detergente ao lado, algumas panelas, os panos de prato, a dispensa, a cuscuzeira... Pronto! Tudo estava ali, quase tudo em ordem, apenas aguardando o início do baile para que tudo fosse ordenado, ou melhor, posto nos seus devidos lugares.

            Fui o primeiro a levantar da mesa após o jantar e numa breve oração agradeci a Deus pelo alimento que tivemos em nossa mesa. Logo em seguida, me dirigi a pia e comecei a tocar a canção da lavagem dos pratos... Põe detergente na bucha, esfrega, esfrega, lava, lava, enxuga, enxuga... Preciso dizer que o “fundo musical” foi o Terço em família, sendo as 5 dezenas divididas por 5, ao passo que todos contemplamos os mistérios dolorosos de Nosso Senhor. Assim se ouviam Ave Maria... Santa Maria... Daqui um pouco surgia um Glória ao Pai... “Alguém está contando as Ave-Marias?” perguntou alguém. “Eu tô”, respondeu outro alguém. E ali se debulhava o Terço como o sertanejo feliz debulha a espiga do milho do seu roçado.

            Enquanto eu era o motorista da pia de louças, uma das Marias assumiu sua intimidade com o pano de prato. Eita que coisa mais linda de se ver! Ninguém precisou pedir para ajudar e o ato voluntário daquela jovenzinha animou os corações dos pais que já bailavam de alegria por ali estarem. E foi assim que perceberam que a primogênita entrara na dança em família. Na verdade, a mãe ia organizando a mesa retirando as vasilhas utilizadas no jantar e colocando-as na pia. Como sempre, ela ditava o ritmo da dança com seu jeito paciente e disciplinado.

            O caçula, mais conhecido como “Caba véi” ou Pedrão ou Seu Pedro ou até Patrãozinho, sempre quer ser o ajudante do pai nessas empreitadas, no entanto, como o terço já havia iniciado, começou a pedir para segurar um, justamente para agarrar as “bolinhas” das Ave-Marias. Uma das irmãs o ajudou a pegar um terço que estava na estante da sala e serenamente sentou-se numa das cadeiras da mesa para rezar. Aliás, conversou mais do que rezou, mesmo tendo puxado a última dezena ou o quinto mistério doloroso (Crucifixão e Morte de Jesus). “Sou eu agora? Sou eu de novo?” E as perguntas do pequeno se misturavam as Ave-Marias encurtadas, às vezes, pela pressa de acabar logo. Todavia, ele também estava naquela dança. Cada um a seu modo e compasso... Os menores e os maiores... Juntos no mesmo ritmo.

            A xará de Santa Clara, que antes do jantar me pedia para assistir o filme da fundadora das Clarissas, não estava com o pano de prato, mas ajudava a mãe na limpeza da mesa e do chão da cozinha, agarrada numa vassoura maior que ela. Eu sei que vocês sabem como ficam a mesa e o chão quando crianças fazem refeições! Parece que pintos ali comeram... E nessa noite teve cuscuz. Ah, ele se espalhou também pela mesa e pelo chão, além dos pratos e destes para os estômagos famintos.

            Dito isto, fica fácil de imaginar o palco tomado com essa gente. Além deles, tem a pia, a vassoura, o terço, o pano de prato, as vozes, Ave-Maria, Santa Maria, os corações, a música, o amor, a cumplicidade... Percebem que cena maravilhosa? Sério mesmo, percebem? Vale ou não vale a pena emoldurá-la? A peça durou no máximo 25 minutos, mas foi tão intensa e singela que nem sei explicar como gostaria, mas apenas descrever esses pormenores. Foi assim que por um instante me vi observando tudo aquilo e um sentimento de gratidão jorrava de dentro do meu peito com tanta intensidade que eu só conseguia sorrir... e bailar, e dançar, e cantar, e louvar, e bendizer a Deus pela nossa família, pela graça de enxergá-Lo no cotidiano, a começar daqueles que estão mais próximos – minha esposa e filhos. Sei que noites como essas não são exclusivas em nossa casa, mas uma rotina. Não me refiro a uma rotina enfadonha, mas a um aprendizado constante que se torna sempre uma oportunidade de estarmos juntos como família de Deus.

            Toda a louça lavada e devidamente enxugada foi guardada. O pano de prato, já úmido, fora pendurado. A vassoura voltou para trás da porta. O terço, após a Salve Rainha e o sinal da Cruz, retornou para uma galinha de barro que se encontra na estante, servindo de “guarda terços”. A ordem na cozinha foi o sinal que aquela dança se encerrava. As crianças já começavam a perguntar: “O que vamos fazer agora? Vamos jogar o jogo do Mico? Hoje vai ter filme?” A mãe já se preparava para tirar algumas roupas do varal e ensaiava outra dança com as roupas para engomar. E eu fiquei organizando as brincadeiras da noite.

            Jogamos o jogo do Mico. Três partidas! A mãe não aguentou e veio jogar conosco a última delas. Pra variar ficou com o Mico e perdeu o jogo. Coisas de mãe que até na derrota se alegra com a alegria dos filhos... A criançada riu da falta de sorte da mãe. Eu já bocejara inúmeras vezes deitado na rede com o caçula. O sono chegou... A trouxa de roupa para engomar parecia o Pico do Totoró de tão alta. “Deixe essa roupa para amanhã, Maria”, disse eu. Lembrei novamente que o dia foi cansativo e intenso. Fomos dormir.

            Nesse momento, às 23h02min. o silêncio reina aqui no Rancho São José. Escuto apenas o vento lá fora que balança agitadamente as árvores. No quarto defronte ao nosso, ouço o ressonar do caçula que está com o peito cheio e se chego mais perto, ouvirei as irmãs que dormem serenamente. Ao meu lado, está a mulher que amo e que tenho a graça de compartilhar essa “dança em família”. Cansada, dorme pacientemente como sempre. Por fim, fico por aqui e despeço-me desejando-lhe boa noite. Amanhã tem mais... Tem o restante das linhas e dos caibros do telhado do alpendre para pintar, a trouxa de roupa para engomar, o café, almoço e jantar para cuidar, um artigo do doutorado para terminar, as crianças para animar e olhar, e especialmente, o auxílio e a força de Deus, com a intercessão de Nossa Senhora e São José, para nos ajudar. Viva a vida em família!



De um indigno escravo da Cruz e da Virgem Maria

Um comentário:

Anônimo disse...

Linda partilha meu nobre!

Albino Jr.
(Anonimo pq não tenho co,ta aqui rsrsrsrs)