Vinde Espírito Santo... Creio em Deus...
Pai Nosso... Ave Maria... E assim começou a oração do “Terço” em mais uma noite
no Rancho São José...
Lá estávamos eu, minha amada
Adélisan, a primogênita Maria Gabriela, a singela Maria Clara e o “santo
cavaleiro” Pedro José, além de tantos amigos e familiares que diariamente estão
conosco em nossas orações.
Foi um dia cansativo, literalmente.
Fiquei incumbido de aplicar uma espécie de verniz na madeira do alpendre e
Adélisan estava no 2º dia da lavagem de roupas que se acumulara nos últimos
dias. As crianças brincaram, dormiram, comeram e também colaboraram com algumas
tarefas domésticas no decorrer do dia. Apesar de uma pequena indisposição de
uma delas, fato que atribuímos por não ter tomado café no horário devido, o dia
foi tranquilo e pudemos mais uma vez louvar a Deus nas pequenas coisas da vida
em família. Porém, durante a noite após o jantar, algo “extraordinário”
aconteceu!!! Uma coisa extraordinária que ocorre na ordinariedade do cotidiano,
como muito bem ensinou São Josemaría Escrivá e Catherine Doherty. Sem mais
delongas, vamos ao fato em si.
Por Deus e todos os nossos anjos da
guarda e santos de devoção, num instante a cozinha miraculosamente se
transformou num belíssimo palco. Tal foi minha admiração com tal peça que ali
ocorria bem a minha frente. Aliás, nessa peça, eu também era personagem, e por
isso me arvorei em escrever essa estória, pois nessa noite “uma dança em
família” fez bailar nossas almas assim como ocorre em tantas famílias e casas
pelo mundo afora. Não tenho como não lembrar de uma família em especial que
morou em Nazaré, no escondimento daquele vilarejo, e que muito ensinou e
continuará ensinando a essência do ser família: “Jesus, Maria e José: nossa
família vossa é.”
A dança em família ocorrera no palco
da cozinha do Rancho São José (ver foto). De fato, o palco estava perfeitamente
disposto para aquele momento ímpar. Nele se encontrava uma mesa com suas
cadeiras, os pratos e talheres do jantar, a louça que se sujara, a pia, a bucha
para lavar, o detergente ao lado, algumas panelas, os panos de prato, a
dispensa, a cuscuzeira... Pronto! Tudo estava ali, quase tudo em ordem, apenas
aguardando o início do baile para que tudo fosse ordenado, ou melhor, posto nos
seus devidos lugares.
Fui o primeiro a levantar da mesa
após o jantar e numa breve oração agradeci a Deus pelo alimento que tivemos em
nossa mesa. Logo em seguida, me dirigi a pia e comecei a tocar a canção da
lavagem dos pratos... Põe detergente na bucha, esfrega, esfrega, lava, lava,
enxuga, enxuga... Preciso dizer que o “fundo musical” foi o Terço em família,
sendo as 5 dezenas divididas por 5, ao passo que todos contemplamos os
mistérios dolorosos de Nosso Senhor. Assim se ouviam Ave Maria... Santa
Maria... Daqui um pouco surgia um Glória ao Pai... “Alguém está contando as
Ave-Marias?” perguntou alguém. “Eu tô”, respondeu outro alguém. E ali se
debulhava o Terço como o sertanejo feliz debulha a espiga do milho do seu
roçado.
Enquanto eu era o motorista da pia
de louças, uma das Marias assumiu sua intimidade com o pano de prato. Eita que
coisa mais linda de se ver! Ninguém precisou pedir para ajudar e o ato
voluntário daquela jovenzinha animou os corações dos pais que já bailavam de
alegria por ali estarem. E foi assim que perceberam que a primogênita entrara
na dança em família. Na verdade, a mãe ia organizando a mesa retirando as
vasilhas utilizadas no jantar e colocando-as na pia. Como sempre, ela ditava o
ritmo da dança com seu jeito paciente e disciplinado.
O caçula, mais conhecido como “Caba
véi” ou Pedrão ou Seu Pedro ou até Patrãozinho, sempre quer ser o ajudante do
pai nessas empreitadas, no entanto, como o terço já havia iniciado, começou a
pedir para segurar um, justamente para agarrar as “bolinhas” das Ave-Marias.
Uma das irmãs o ajudou a pegar um terço que estava na estante da sala e
serenamente sentou-se numa das cadeiras da mesa para rezar. Aliás, conversou
mais do que rezou, mesmo tendo puxado a última dezena ou o quinto mistério
doloroso (Crucifixão e Morte de Jesus). “Sou eu agora? Sou eu de novo?” E as
perguntas do pequeno se misturavam as Ave-Marias encurtadas, às vezes, pela
pressa de acabar logo. Todavia, ele também estava naquela dança. Cada um a seu
modo e compasso... Os menores e os maiores... Juntos no mesmo ritmo.
A xará de Santa Clara, que antes do
jantar me pedia para assistir o filme da fundadora das Clarissas, não estava
com o pano de prato, mas ajudava a mãe na limpeza da mesa e do chão da cozinha,
agarrada numa vassoura maior que ela. Eu sei que vocês sabem como ficam a mesa
e o chão quando crianças fazem refeições! Parece que pintos ali comeram... E
nessa noite teve cuscuz. Ah, ele se espalhou também pela mesa e pelo chão, além
dos pratos e destes para os estômagos famintos.
Dito isto, fica fácil de imaginar o
palco tomado com essa gente. Além deles, tem a pia, a vassoura, o terço, o pano
de prato, as vozes, Ave-Maria, Santa Maria, os corações, a música, o amor, a
cumplicidade... Percebem que cena maravilhosa? Sério mesmo, percebem? Vale ou
não vale a pena emoldurá-la? A peça durou no máximo 25 minutos, mas foi tão
intensa e singela que nem sei explicar como gostaria, mas apenas descrever
esses pormenores. Foi assim que por um instante me vi observando tudo aquilo e
um sentimento de gratidão jorrava de dentro do meu peito com tanta intensidade
que eu só conseguia sorrir... e bailar, e dançar, e cantar, e louvar, e
bendizer a Deus pela nossa família, pela graça de enxergá-Lo no cotidiano, a
começar daqueles que estão mais próximos – minha esposa e filhos. Sei que
noites como essas não são exclusivas em nossa casa, mas uma rotina. Não me
refiro a uma rotina enfadonha, mas a um aprendizado constante que se torna
sempre uma oportunidade de estarmos juntos como família de Deus.
Toda a louça lavada e devidamente
enxugada foi guardada. O pano de prato, já úmido, fora pendurado. A vassoura
voltou para trás da porta. O terço, após a Salve Rainha e o sinal da Cruz,
retornou para uma galinha de barro que se encontra na estante, servindo de
“guarda terços”. A ordem na cozinha foi o sinal que aquela dança se encerrava.
As crianças já começavam a perguntar: “O que vamos fazer agora? Vamos jogar o
jogo do Mico? Hoje vai ter filme?” A mãe já se preparava para tirar algumas
roupas do varal e ensaiava outra dança com as roupas para engomar. E eu fiquei
organizando as brincadeiras da noite.
Jogamos o jogo do Mico. Três
partidas! A mãe não aguentou e veio jogar conosco a última delas. Pra variar
ficou com o Mico e perdeu o jogo. Coisas de mãe que até na derrota se alegra
com a alegria dos filhos... A criançada riu da falta de sorte da mãe. Eu já
bocejara inúmeras vezes deitado na rede com o caçula. O sono chegou... A trouxa
de roupa para engomar parecia o Pico do Totoró de tão alta. “Deixe essa roupa para
amanhã, Maria”, disse eu. Lembrei novamente que o dia foi cansativo e intenso.
Fomos dormir.
Nesse momento, às 23h02min. o
silêncio reina aqui no Rancho São José. Escuto apenas o vento lá fora que
balança agitadamente as árvores. No quarto defronte ao nosso, ouço o ressonar
do caçula que está com o peito cheio e se chego mais perto, ouvirei as irmãs
que dormem serenamente. Ao meu lado, está a mulher que amo e que tenho a graça
de compartilhar essa “dança em família”. Cansada, dorme pacientemente como sempre.
Por fim, fico por aqui e despeço-me desejando-lhe boa noite. Amanhã tem mais...
Tem o restante das linhas e dos caibros do telhado do alpendre para pintar, a
trouxa de roupa para engomar, o café, almoço e jantar para cuidar, um artigo do
doutorado para terminar, as crianças para animar e olhar, e especialmente, o
auxílio e a força de Deus, com a intercessão de Nossa Senhora e São José, para
nos ajudar. Viva a vida em família!
De
um indigno escravo da Cruz e da Virgem Maria
Um comentário:
Linda partilha meu nobre!
Albino Jr.
(Anonimo pq não tenho co,ta aqui rsrsrsrs)
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