terça-feira, 7 de agosto de 2012

A dança do amor

Transcrevo abaixo uma pregação do Pe. Stanley Lopes realizada em Fortaleza/CE no dia 31 de julho de 2012 num encontro promovido pelo Instituto Hesed - http://www.institutohesed.org.br/?url=http://www.institutohesed.org.br/pt/component/k2/item/186-a-dan%C3%A7a-do-amor. Fiquei muito feliz pelo link enviado pelo amigo Saint Clair que esteve em Fortaleza acompanhando o padre. Vale a pena refletir nas preciosas palavras do sacerdote sobre a "dinâmica" do amor esponsal entre os casais. Amor esse que brota do Coração Sagrado de Jesus:

O amor esponsal que nasce em Deus passa sempre pela experiência do amor humano. Deus tem poder para multiplicar o pão; Deus quer multiplicar o pão da nossa vida; e Deus multiplica. No entanto, Deus quer contar com a nossa colaboração. A graça supõe a natureza, a contribuição humana que nós oferecemos a Deus num papel de interação. Deus quer derramar a sua providência sobre nós a partir de nossas mãos. 

Os que tem a graça matrimonial interajam todos os dias e a todo instante na superação dos mínimos defeitos e das máximas crises. Existe uma abundante literatura católica que fala da positividade da crise. Toda crise é um posicionamento que se admite diante da minha liberdade que entra em comunhão com a escolha divina. "É curioso que um celibatário seja convidado para pregar para casados. É curioso que esta reunião ao redor da Palavra de Deus seja sustentada com o empenho e com a intercessão sofisticada de um instituto de monges e de monjas que vivem a radicalidade do seu amor esponsal." 

E na literatura do Novo Testamento Jesus é apresentado como Aquele que aproveita tudo o que é nosso, tudo o que faz parte da sexualidade, inclusive, tudo o que faz parte do matrimônio, haja vista que no ritual do matrimônio de São Pio V - que era a liturgia que regia a disciplina litúrgica da Igreja anterior ao Concilio Ecumênico do Vaticano II -, depois que o sacerdote assistia ao matrimônio na Igreja, a segunda e última etapa do casamento era no quarto do casal. O sacerdote ia a casa dos recém casados e portando a sua batina, sobrepeliz e estola abençoava o tálamo, isto é, a cama do casal, porque o "sim" que foi sacramentado no altar será ratificado com o encontro dos dois. 

O Pai é Aquele que eternamente gera; o Filho é Aquele que é eternamente gerado no seio da Trindade; No íntimo do mistério da Santíssima Trindade, numa escolha livre que partiu do próprio Deus de nos salvar, a vida divina é comunicada pelo Verbo de Deus. O Pai é Aquele que fala, o Verbo é a Palavra que Deus pronunciou na eternidade e este Verbo eterno entrou no tempo pela comunicabilidade do Espírito Santo. E o que acontece na cama do casal recém casado que acabou de receber a benção nupcial - o marido une-se à sua esposa e os dois geram uma terceira vida - é a verificabilidade da manifestação do mistério da Santíssima Trindade. Uma centelha muito tênue, muito frágil, mas que dá um exemplo muito evidente, haja vista que Jesus, Maria e José sempre são chamados na espiritualidade como a Santíssima Trindade da terra.


A pequena e humilde família de Nazaré, trazendo o castíssimo São José e a Imaculadíssima Maria, foram os grandes servos de Deus. Maria, a Mãe do Verbo, e José, o pai putativo, para que o Filho de Deus, de acordo com os cânones da lei judaica, pudesse ter alguém a quem chamasse de pai, e aquele núcleo familiar gozassem de todos os privilégios e direitos que assistiam a uma instituição familiar.

Portanto, aqui está a força da nossa interação, a força da nossa entrega e a força do nosso amor: o casal, abrindo-se constantemente para a ação de Deus, a fim de que desta união matrimonial possam advir os frutos, as bênçãos e, como dizem muitos salmos, uma família numerosa é semelhante a um guerreiro que tem a aljava repleta de flechas.
 
A expressividade do amor de Deus comunica-se na nossa vida como uma força vital, como uma força de vida, e este é um crescendo, não se retrai. Porque o hino a caridade que são Paulo colocou na sua primeira epístola aos Coríntios diz que o amor não ensoberbece, não se cansa, o amor não se aborrece, o amor não fica constrangido, o amor é capaz de superar-se absolutamente a todas as vicissitudes. Se nós conseguimos legitimamente, já neste mundo, com expressividade, com calor humano, demonstrar que nós somos capazes de nos superar nos amando, avaliemos quão maior e quão intenso é o amor divino. 

É aquela sarça ardente do livro do Êxodo no capítulo terceiro perante a qual Moisés teve que se prostrar por completo porque via a sarça que queimava, mas que não consumia; é como aquele bispo da Ásia central, Athanasius Schneider, que escreveu aquele livrinho “Dominus Est”, que falando da Eucaristia diz que a Eucaristia sim é que é uma sarça ardente porque ali está a presença do amor na sua expressividade máxima. 

Participar da comunhão é participar da plenitude, do enlevo, da doação, do amor, da generosidade e, acima de tudo, da capacidade de superar os próprios limites, as próprias quedas e os próprios fracassos pessoais e matrimoniais. O casamento como uma realidade de amor a três. Não falemos jamais de alma gêmea, não falemos jamais de situações que pudessem abeirar-se das teorias da nova era, mas sim de um amor nascido a três, de um amor que foi produzido pelo amor divino. Como Deus, passeando no Éden, como nós lemos no livro dos Gênesis, ao ver toda a obra da criação, viu que tudo era bom, mas que também era belo, tinha uma expressividade de beleza. 

E a presença de Nossa Senhora, dos Apóstolos e de Jesus nas Bodas de Caná é um momento especialíssimo em que a união matrimonial é elevada a categoria de sacramento. Deus é a minha caução! Deus é o meu garante! Deus é o meu adiantamento! Eu não poderia ser fiel, se Deus não já tivesse sido fiel antes. Deus é a garantia da minha entrega, a garantia do meu amor conjugal, a garantia da abertura para a vida das crianças que virão. Como eu poderia amar a Deus se Deus não tivesse antecipado o Seu amor infinito por nós? “Com amor eterno eu vos amei”.

A dança do amor, tema proposto para esta noite, começa no seio da Santíssima Trindade: Deus gera, o Verbo é gerado, e o Espírito Santo é a geração entre o Pai e o Filho. Um é o Amor, o Outro é o Amado e o Outro é Amante. O amante por excelência é o Espírito Santo. E já no batismo nós recebemos esta força que é capaz de nos empurrar para adiantar-nos a nós próprios: quando somos empurrados para o egoísmo, para a maldade, é o Espírito Santo que nos faz ir para mais adiante para nos encontrarmos com o amor de Deus e para ter a capacidade de vencer-nos, de superar-nos...

Vós casados tendes em vós mesmos a habilitação, a dignidade e a capacidade de procriar. Qualquer mecanismo de ruptura com a procriação não passaria, no mínimo, de uma aberração natural contra as leis naturais e, consequentemente, contra as leis divinas. A matriz do nosso amor é Deus e a filial desse amor é a esposa para o esposo e o esposo para a esposa, em fecunda reciprocidade, em constante doação, porque o casamento que começa no altar, chega ao seu apogeu na cama do casal, na procriação, na entrega, numa verdadeira espiritualidade matrimonial que estimule os dois ao grande amor divino

Não é que a minha amada esposa será agora o centro absoluto de minhas necessidades e atenções, mas agora, com a minha vida de casado, alguém me ajudará e caminhará comigo para que nós dois vejamos melhor a face de Deus. Os casais rumam juntos para uma descoberta cada vez maior do amor esponsal de Deus. O cristianismo não é uma religião de persuasão, é uma religião de testemunhos, porque as palavras vão, mas os testemunhos arrastam.


Vós casados também deveis ser canais que transmitem a graça. Muitos de nós só passamos pela experiência do amor de Deus depois de muitos anos de frustração; muitos casais só vão se conhecer em Deus depois de muitos anos de experiência conjugal. E é muito comum escutarmos de casais, “se eu estivesse começado hoje, faria tudo de modo diferente”. Tire de suas crises o melhor que elas podem oferecer: um confronto consigo próprios e uma nova descoberta da presença de Deus que é capaz de iluminar a nossa vida.

É necessário fazer a experiência carmelitana de Elias e de todos os santos do Carmelo de subir o monte que é o próprio Cristo para descobrir qual é a vontade de Deus, inclusive, a respeito do vosso matrimônio, da vossa maneira de amar e de educar os filhos que Deus vos deu. No evangelho do domingo passado, Jesus retirou-se para orar. Retiremo-nos nós também a fim de escutar com maior alegria a palavra que Deus dá de orientação e de libertação a cada um de nós. Ele não está falando da necessidade imediata, como muitos de nós gostaríamos de resolver nossas coisas com uma imediatez e um pragmatismo que muitas vezes atrapalha mais que auxilia.

Jesus diz à samaritana que água que Ele tem jorra do Seu interior e aquele que crê Nele nunca mais terá sede. Que esta fonte inesgotável do amor, da ternura, da bondade, da paciência, do cuidar, do carinho esteja presente na vida de cada família para que as nossas casas sejam lares, canais por onde passou a graça, purificou todos os recipientes, tornando-nos melhor esposo, melhor esposa, melhores pais, melhores filhos. 

Honrar pai e mãe: filhos obedeçam a seus pais; maridos amem as suas esposas; esposas obedeçam aos seus maridos, sob o critério da aliança selada com o sangue do Cordeiro. Não mais o sangue que humilha, não mais um sangue de impureza, mas o sangue do precioso Cordeiro que na cruz lavou a imundície do mundo inteiro, porque nos libertou dos nossos pecados. 

Que em vossas casas exista sempre este amor esponsal, este amor que dança, este amor que supera, este amor que nos leva e nos enleva para mais dentro do grande amor de Deus - amor que sendo trinitário é um amor de família para fazer dos cristãos família de famílias; que a paróquia de vocês seja família de famílias - pequenas células que se congregam para celebrar a grande dança do amor de Deus que vem para se comunicar às almas santas e que, de tanto nos perseguir, de tanto se comunicar, nos falou uma Palavra permanente e perene: Jesus! Aquele que salva é, acima de tudo, Aquele que ama!


Pe. Stanley Lopes Dantas - sacerdote da diocese de Caicó/RN

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