Tendo em vista o Evangelho (Mc 3,20-35) proclamado na Missa de ontem - 10º domingo do tempo comum, mas especificamente no trecho que fala dos "irmãos de Jesus", trago esse interessante e esclarecedor artigo de Dom Estevão Bettencourt no início da sua conceituada revista Pergunte e Responderemos.
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PERGUNTE
E RESPONDEREMOS – julho 1957
Quem
eram os irmãos de Jesus ?
Os “irmãos de
Jesus” na Sagrada Escritura são um grupo de varões — Tiago, José (ou Joset),
Judas e Simão — que aparecem vinculados a Cristo por íntimo parentesco (cf. Mt
13,55 ; Mc 6,3). Além disto, acompanham frequentemente a Mãe do Senhor, como
narram Mt 12,46; Mc 3,31; 7,19; Jo 2,12.
Qual será esse
parentesco ?
O termo “irmão” (ah
em hebraico, adelphós na tradução grega dos LXX) designava na linguagem dos
hebreus não somente os filhos do mesmo leito conjugal, mas também um familiar
ou um consanguíneo próximo. Lote, por exemplo, sobrinho de Abraão, é chamado
“irmão” deste em Gên 13,8] 14,16. Algo de análogo se dá com Jacó, sobrinho de
Labã (cf. Gên 29,12.15). Em Lev 10,4 Moisés manda a Misael e Elisafã façam sair
da frente do santuário seus “irmãos” que, no caso, eram propriamente seus
primos. Os primos são designados como “irmãos” também em 1 Crôn. 23,21-22, onde
se lê:
“Os filhos de
Merari foram Moholl e Musi. Os filhos de Moholi foram Eleázaro e Cis. Eleázaro
morreu sem ter filhos, mas apenas filhas; os filhos de Cis, seus Irmãos, as
tomaram por mulheres”.
Ora no Santo
Evangelho os “irmãos de Jesus” não significam em absoluto os filhos da mesma
genitora, Maria Santíssima. Com efeito, entre as mulheres que assistiram à
crucifixão de Cristo, Mt 27,56 menciona Maria, mãe de Tiago e José. Essa Maria,
conforme Jo 19,25, não é esposa de São José, mas de Cleófas e, segundo a
interpretação mais óbvia, a irmã de Maria, mãe de Jesus:
“Estavam junto à
Cruz de Jesus sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria (esposa) de Cleófas, e Maria de
Mágdala”.
Pois bem, os nomes
Cleófas e Alfeu designam a mesma pessoa; Klopas parece ser a forma grega do
apelativo aramaico Chalphai, ao passo que Alphaios ou Alfeu é a transcrição
direta desse vocábulo aramaico. Como refere Hegesipo (séc. 2"), o mais
antigo historiador da Igreja, Cleófas ou Alfeu era irmão de São José.
Cleófas, portanto,
e Maria de Cleófas eram os genitores de Tiago e de José ; tinham um terceiro
filho, Judas, o qual no início da sua epístola se apresenta como irmão de Tiago
(este Tiago só pode ser o filho de Cleófas, não de Zebedeu, pois não era irmão
de João Evangelista; confira-se Mt 13,55, onde Tiago, Judas e José, não João,
são chamados irmãos).
Quanto a Simão, o quarto
dos irmãos de Jesus, Hegesipo o apresenta também como filho de Cleófas. Por
conseguinte, os quatro irmãos do Senhor seriam primos de Jesus por descenderem
de uma irmã de Maria Santíssima, também chamada Maria, irmã casada com Cleófas,
irmão de São José, Há quem não aceite que duas irmãs, vivendo
contemporaneamente, tenham tido o mesmo nome “Maria”. A dificuldade, porém,
perde muito do seu peso se se levam em conta os costumes dos antigos : entre
outros, pode-se citar o caso de Otávia, irmã do Imperador Augusto, a qual tinha
quatro filhas vivas ao mesmo tempo : duas delas chamavam-se “Marcella” sem
cognome,.e as duas outras “Antonia”. O nome “Maria” era, de resto, muito
frequente na Galiléia. — Outros objetam que Maria não podia ter irmã, devia ser
filha única, única herdeira ; isto explicaria que haja sido obrigada a tomar
esposo, e a escolhê-lo dentro da sua parentela, a fim de que a herança
continuasse em poder da mesma linhagem. Quem, na base destes argumentos, não
queira admitir que Maria, esposa de Cleófas, tenha sido irmã de Maria, esposa
de José, poderá muito bem interpretar o texto de Jo 19,25, acima transcrito,
como se quatro, e não três, mulheres tivessem estado ao pé da cruz ;
distinguir-se-iam então Maria mãe de Jesus, a irmã anônima desta, a seguir,
Maria esposa de Cleófas, e Maria de Mágdala. Neste caso, os filhos de Cleófas
ainda seriam ditos com razão “primos” de Jesus, pois Cleófas era irmão de São
José, pai putativo ou legal de Jesus.
Eis, pois, como
esquematicamente se representaria o parentesco vigente entre Jesus e “seus
irmãos”:
HELI (Lc2,23):
Maria + Cleofas ou Alfeu e São José + Maria Santíssima
São José + Maria
Santíssima: Jesus Cristo
Maria + Cleofas:
Tiago menor (1º bispo de Jerusalém), José ou Joset, Judas Tadeu, Simão (2º bispo
de Jerusalém)
Neste esquema fica
aberta apenas a questão : Maria, esposa de Cleófas, era irmã de Maria, mãe de
Jesus ?
Em apoio de quanto
foi dito acima, observe-se mais o seguinte:
Maria Santíssima
nunca é chamada nas Escrituras “mãe dos irmãos de Jesus”, mas apenas “mãe de
Jesus” (cf. Jo 2,1); em Mc 6,3 Jesus é precisamente dito “o filho de Maria”
(com artigo!), em oposição aos seus “irmãos”, os quais, segundo a lógica, não
podiam ser igualmente filhos de Maria : “Não é este o carpinteiro, o filho de
Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão ?”
É preciso outrossim
considerar que, se Maria tivesse tido algum filho além de Jesus, o Senhor na
cruz não a teria confiado a João, filho de Zebedeu; os filhos propriamente
ditos seriam os primeiros indicados como arrimo materno. A fórmula mesma com
que Jesus se refere a João, dá a entender que este seria para Maria o
representante e, de certo modo, substituto do seu único Filho ; “Mulher, eis o
filho teu” (Jo 19,27); o artigo teria sido omitido se Maria tivesse outro
filho.
Quanto ao fato de
que Maria é frequentemente mencionada com os “irmãos de Jesus” nos Santos
Evangelhos (cf. Mt 12,46; Mc 3,31; Lc 8,19; Jo 2,12; At 1,14), explica-se bem
pelas íntimas relações que uniam as famílias de Cleófas e São Jose :
provavelmente este Santo Patriarca morreu antes do início da vida pública de
Jesus ; parece então que Maria Santíssima se retirou com seu Divino Filho para
a casa de seu cunhado, de sorte que as duas famílias se fundiram como que numa
só. Outros pensam que foi Cleófas quem primeiro morreu; em consequência, José
teria recebido em sua casa a viúva e seus filhos, primos de Jesus.
Em debates sobre o
nosso tema, é por vezes citado o texto de São Paulo, 1 Cor 9,5: “Não temos o
direito... como os outros apóstolos, os irmãos do Senhor e Cefas?”. Esta
passagem não implica que os irmãos do Senhor devam ser excluídos do grupo dos
Apóstolos; em tal caso, Cefas também não poderia ser considerado Apóstolo. São
Paulo faz a tríplice enunciação acima apenas para realçar o grau de dignidade
progressiva dos que compunham o grupo dos Apóstolos.
A título de
ilustração, vão aqui referidas duas sentenças que de pouca ou nenhuma
probabilidade gozam no assunto; os “irmãos de Jesus” seriam filhos de São José
nascidos de um primeiro matrimônio do Patriarca ou seriam filhos adotivos do
mesmo. Não há necessidade de estudo demorado dessas teses, hoje não mais em
voga.
Conclui-se, pois,
que a famosa expressão bíblica, devidamente analisada, não cria dificuldade à
prerrogativa da perpétua virgindade de Maria, Mãe de Jesus e Mãe dos homens.
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)
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Segue também um link de outro artigo muito bom sobre o mesmo assunto: http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=1938
Indico, ainda, um livreto intitulado "E os irmãos de Jesus?" de Roberto Andrade Tanus da RCC (foto acima).
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