sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A vocação é como uma pipa

Era uma segunda-feira pela manhã. Ainda desfrutávamos dos últimos dias de férias no Rancho São José. Levantei cedo como de costume, e aos poucos as crianças também foram acordando. Uma delas já estava na empolgação de ir brincar na areia, outra surgiu sonolenta na sala, e outra amanhecera bem esperta e já saudosa devido a avó materna que desceria a serra (de Lagoa Nova a Currais Novos) para uma consulta médica. Tomamos café, não todos no mesmo horário por causa dos desencontros acima mencionados, mas logo ao término fui a cidade levar minha mãe para pegar um táxi que a transportasse até Currais Novos. E antes de sair, tive a ideia de chamar Maria Clara, nossa filha de 7 anos (ou quase 8, como ela gosta de dizer) para nos acompanhar. Na verdade, vez por outra procuro arranjar um "programa/atividade" exclusivamente com um dos nossos filhos. Creio que essas oportunidades são importantes entre pais e filhos, especialmente quando percebemos que eles gostariam de conversar algo, ter um momento a sós com o pai ou a mãe ou ambos.

Era uma manhã ensolarada, como quase todas no nosso sertão... Ao atravessar a porteira do Rancho São José, já se via pelo retrovisor a poeira que Sorec deixava para trás (ah... Sorec é o nome do nosso carro!) e de vez em quando surgia um morador daquela região serrana ou alguns últimos cajus da safra que se finda. Em 10 minutinhos já deixávamos minha mãe na parada do táxi e retornamos para casa. Eita que momento bonito! Ali, naquele carro, começara um diálogo entre pai e filha. Ela, que aparentemente é bem tímida, quando se sente a vontade, conversa bastante. Nesse aspecto puxou literalmente ao pai, pois se deixar, já viu!

A conversa foi sobre assuntos diversos, desde a ansiedade para o retorno das aulas até chegar no assunto vocação. Isso mesmo que você leu: V O C A Ç Ã O! Abro parênteses para dizer que aqui em casa temos sempre o hábito de conversar sobre a importância do chamado de Deus para cada um de nós. Aliás, convivemos com diversos amigos e familiares com vocações tão distintas. Temos ao nosso redor casais, religiosos e religiosas, padres, missionários, celibatários, ou seja, pessoas que na sua vocação específica buscam seguir plenamente a vontade do Senhor.

Estávamos no carro, lembram? Trafegando naquela estrada empoeirada, minha filha perguntou simplesmente o que eu achava que ela seria quando se tornasse adulta. Eita pergunta complicada e simples ao mesmo tempo... Então expliquei que eu e sua mãe sempre rezamos pelas vocações dos nossos filhos. E nossa alegria é saber que desde cedo eles já começam a ter o discernimento que fazer a vontade de Deus é a melhor escolha, seja para se tornar um profissional bem-sucedido e que forme uma família, seja para morar em outro país como missionária ajudando os pobres ou quiçá enclausurada numa vida monástica.

Como vocês devem ter percebido que o trajeto de volta era curto, assim como o da ida, chegamos rapidamente em casa. Novamente atravessamos a porteira e a porta azul do Rancho São José, sinal da proteção de Nossa Senhora em nossa casa. Naquele momento, o sol já estava "tinindo", mas ainda não estava no "pingo do meio dia", pois era umas 9 para 9:30. Nossa comadre Leila lá em casa estava com o querido João Pedro "Piu", fora ela que trouxe a novidade das pipas durante esses belos dias. Aproveitamos que nos dias anteriores tínhamos soltado pipa e então fomos novamente se aventurar naquela brincadeira pueril tão benfazeja.

Eu que aprendera no dia anterior a soltar pipa, já não tive tanta dificuldade dessa vez. E lentamente, aquele fino papel colado em pauzinhos que se cruzam, foi subindo com sua cauda não tão grande, a mercê dos ventos daquela região serrana que além do frio, fica aos poucos conhecida pela "riqueza" do vento. E foi justamente naquela manhã, naquele lugar tão precioso para nós, que entreguei a Maria Clara, aquele rolo que continha uma linha de 80 metros, já solta completamente no céu, com exceção do nó que ligava a pipa a um de nós. Nesse momento que entreguei a pipa a Maria Clara, lembrei de nossa conversa sobre vocação e disse: "Filha, a vocação é como uma pipa". E continuei...

A pipa "voa" conforme o vento e ao passo que se solta a linha, ela toma voos ainda mais altos. Assim é na vocação, pois o chamado de Deus quando é feito, está condicionado a uma resposta nossa. Se dizemos sim a esse chamado, Deus nos conduz para onde Ele quer... Além do mais, essa resposta acontece diariamente. E cada sim dado a Deus é uma oportunidade de seguir adiante para onde Ele quer. Por isso devemos ser como essa pipa que voa em direção ao céu. A vocação é justamente o caminho por Deus traçado para que trilhemos até chegarmos ao céu. E quando nos encontramos nessa vocação que Deus nos chamou, podemos repetir como Santa Teresa de Los Andes: "Deus é alegria infinita". Ou então usar as palavras da mesma santa chilena: "Uma alma unida e identificada com Jesus tudo pode". Filha, precisamos deixar que o vento do Espírito Santo inspire em nós o desejo de sempre fazer a vontade de Deus, seja ela em qualquer vocação.
Ela ouvia atentamente e demonstrava entender o que eu estava explicando e continuou segurando a pipa. Lembrei da canção gravada pela Ir. Kelly Patrícia - Passarinho - que é baseada num belíssimo texto de Santa Teresinha do Menino Jesus e que gostamos muito de ouvir. Finalizei aquele diálogo dizendo que não importa se somos pipas enormes ou singelas, se a linha no carretel nos permite ir muito alto ou se somos modestos no vôo, se somos passarinhos frágeis ou mais resistentes, mas o desejo que habita no coração é o essencial. Que possamos repetir como a santa da Infância Espiritual: "Quanto a mim considero-me apenas como um fraco passarinho coberto só de leve penugem, não sou uma águia, dela só tenho os olhos e o coração, pois apesar da minha extrema pequenez ouso fixar o Sol Divino, o Sol do Amor, e meu coração sente em si todas as aspirações da águia..." (Obras Completas, Manuscrito B, O passarinho e a águia divina, p. 216). Por isso Maria Clara, desejemos ir para o céu tão belo... Aspirar as coisas celestes... E então nossas vocações serão reflexos de Deus em nossas vidas.

Dei um beijo em sua testa e fomos fazer outras coisas naquela manhã ensolarada. Simples assim. Eu e minha esposa continuamos rezando pelas vocações dos nossos filhos e sonhando um dia estar no Rancho São José olhando para o céu contemplando a vontade de Deus na vida de nossa família, pois juntos sempre estaremos no Coração do Pai.

Danilo e Maria Clara

Obs: As fotos foram tiradas em dias anteriores do fato ocorrido. Como sempre acontece, algumas situações marcantes da vida ficam guardadas apenas no coração. E espero que esse diálogo seja fecundo também para você que nos lê. Deus o abençoe sempre.

Um comentário:

joaodanyell disse...

Maravilhoso relato de uma família cristã. Simples e benfazejo como "as pequenas virtudes do lar". Que Deus lhe abençoe e sua família e que continue produzindo textos como este, inspirados por Deus, que aquecem o nosso coração e renova nossa esperança na Igreja doméstica de Cristo: família como lugar sagrado de construção de Santos (as) para Deus.